16 de mai. de 2010

Do remix da cultura aos saberes/vivência: uma prática na cibercultura

Desde que o mundo é mundo, sabe-se que as culturas vão agregando novos elementos e se reconfigurando na história. Hoje esse fenômeno acontece muito veloz graças à integração das novas tecnologias no cotidiano da pós-modernidade. Isso faz com que a educação e a autoria sejam olhadas de pontos de vista diferentes como sugere o título “Novos Saberes e Vivências na Cultura pós-massiva”.

O título compõe a segunda parte do livro “A Cibercultura e seu Espelho – Campo de conhecimento emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa”, organizado por Eugênio Trivinho e Edilson Cazeloto, disponível em: http://abciber.org/publicacoes/livro1/rosto/.

André Lemos e Elizabeth Saad Corrêa falam da cibercultura em processo diferente e complementar. A “Cibercultura como território recombinante” (pág. 38-46) de Lemos apresenta o “território recombinante e cibercultura remix” que estabelece os princípios da “emissão, conexão e reconfiguração” na cultura contemporânea.

Saad Corrêa, por sua vez, fala da possibilidade da relação “saberes-vivência” apontando os desafios de uma vida cibercultural que se farão presente em um futuro próximo em seu artigo “Cibercultura: um novo saber ou uma nova vivência” (pág. 47-51). A autora trabalha conceitos como “a ubiquidade, os protocolos computacionais e constituição de uma ambiência digital”.


Enquanto os dois primeiros conceitos se fundem num conjunto de saberes, “a constituição de uma ambiência digital” torna-se uma exigência de “novas habilidades e competências para vivenciar tais inovações”. Isso faz com que a imersão intelectual leve à construção de novos conhecimentos e saberes e a imersão no uso dos aparatos hipermidiáticos reflitam naturalmente a vivência.

Para Lemos a grande novidade na cibercultura é que a recombinação cultural agora acontece, mas veloz e tem alcance global. Seu artigo parte da hipótese que embasa o processo cultural atual na “liberação do polo da emissão, no princípio de conexão em rede e na consequente reconfiguração sociocultural a partir de novas práticas produtivas e recombinatórias”.

Nesse sentido, vai delineando o perfil de um “receptor” que “passa a produzir e emitir sua própria informação, de forma livre, multimodal e planetária” em direção à conexão até chegar à reconfiguração com o lema “Produza, emita, conecte e... transforme!”.

O autor aborda questões de direitos autorais exemplificando as mudanças significativas – recombinação – na criação de mecanismos legais, bem como a desterritorização que levam à criação de novas territorializações por meio dos dispositivos móveis digitais.

Isso faz surgir um “espaço de fluxos” (Manuel Castells, 1996) que constitui o território digital informacional que proporciona aos indivíduos “acessar, produzir e distribuir informação, de maneira autônoma, estabelecendo redes colaborativas e processos comunicativos mais complexos”.

Esses territórios alimentam os três princípios da cibercultura em direção à potencialidade da “cibercultura remix”, que para o autor é a recombinação da emissão que se dá “na produção de conteúdo, conectando, em processos coletivos e colaborativos, produzindo inteligências coletivas e alterando as condições de vida, reconfigurando a cultura e a vida social”.


Controle no ciberespaço?


Elizabete Saad revisita autores como Mark Wieser (1999), Neil Gershenfeld (2000) e Friedmann Mattern (2007) para salientar as possibilidades desse novo ciclo de saberes/vivências que se inicia num futuro próximo. Acredita que o “ciberespaço propõe uma coexistência autorregulada”, mas em constantes revisões por uma cibernética que se “apoia-se em regras e valores consensuais estabelecidos pelas células de usuários, respeitando-se a pluralidade de contextos, os projetos societários e, acima de tudo, a liberdade de manifestação do pensamento”.


Dessa forma, as regras de sociabilização “deveriam ser aceitas por consenso e adaptadas às singularidades, práticas e tradições”, da mesma forma que os protocolos o são. “Podemos dizer que os estatutos éticos das comunidades virtuais se constroem no interior de seus cosmos produtivos, por motivações cooperativas e coordenações de qualidades e vocações individuais. É cada indivíduo que decide unilateralmente a relação ética de suas atividades no mundo virtual”.


Aborda, ainda, o impacto da cibercultura no cotidiano da sociedade fazendo revisão histórica do entranhamento da comunicação com tecnologias até chegar às TICs. Trata da incorporação dos aparatos tecnológicos pelos indivíduos conectados em rede que os levam a transferir seu cotidiano para o espaço coletivo e intangível para a realização de mediações, trocas e transações. A autora diferencia os conceitos entre ciberespaço e cibercultura, imaginário e das práticas comunicacionais nesse âmbito e do imaginário que se configura no cenário de uma futura era pós-digital.


Será que realmente o usuário tem controle de suas ações?


Tanto Lemos quanto Saad partem do princípio da decisão de participação do usuário na cultura da Internet, por meio de uma rede de colaboração. Se o usuário for capaz de autorregular seu espaço de participação e delimitar suas fronteiras, significa que está apto a se apropriar dos aparatos tecnológicos em benefício próprio e de sua comunidade, o que aponta para atitudes que envolvem o domínio da literacia informacional e a prática educomunicativa.


O lema “produza, emita, conecte e... transforme!”, registrado por André Lemos revela claramente esse desafio de possibilitar ao usuário ser um educomunicador capaz de utilizar as informações disponíveis para seu contexto em questão – educacional, social, cultural, etc. – a fim de construir conhecimento num ambiente em que as relações democráticas fluem com naturalidade como um saber adquirido e que se manifesta na vivência no mundo virtual.


No entanto, percebe-se a ausência da questão do “controle” emitido por uma sociedade que se estabelece em redes a partir da noção foucaltiana de biopoder e sociedade disciplinar em direção à sociedade do controle de Deleuze (1992). Hardt (2000) levanta que essa é uma sociedade mundial de controle, justificando as três hipóteses sobre a mesma: 1) ela se caracteriza pela corrupção e se organiza em uma rede flexível de microconflitualidades; 2) torna-se uma sociedade capitalista que se constitui em um campo desterritorializado por uma axiomática; 3) ela está associada ao mercado mundial que é o ponto de partida e chegada do capitalismo.


* Antonia Alves - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes, da Universidade de São Paulo.

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